sábado, 8 de março de 2014

Introspecção...

     Estava escrevendo uma carta, depois de muitos e muitos anos sem fazer isso. Não é uma novidade o que segue, mas me surgiu o devaneio de ir beber umas cervejas num bar com umas boas companhias. A questão que surgiu foi: quais/quem seriam essas companhias? Hoje me considero alguém sem amigos próximos. Os poucos estão distantes, ocupados...
     A solidão existe e é uma bobagem negá-la. Boas companhias? O que seria uma boa companhia nesse mar de pessoas interesseiras, invejosas e em alguns casos/circunstâncias perversas?
     Fundamental seria uma ou duas companhias que além de ser(em) boas, me fizessem bem e vice-versa. E isso aqui não é uma referência a um "homem" na condição de namorado, noivo ou esposo. Nada disso.
     Apenas alguém para estar ao lado, sem falar sobre dores, dissabores, alguém pra compartilhar e comungar da cumplicidade do silêncio. Esquecer momentaneamente as convenções que nos acorrentam e não nos permitem viver intensamente nossos gozos, nossas frustrações, êxitos e medos.
     Permanecer, mesmo que temporariamente, suspensa disso tudo é só meu desejo. Não é por tristeza, não é por frustração. É apenas cansaço.
      Devo precisar de um pouco de férias... Férias do mundo.


3 comentários:

Carolina Sá disse...

Uns há que contam carneirinhos... Eu, no silêncio das minhas madrugadas, conto solidões, insônias e perplexidades.

Carolina Sá disse...

Essa pérola de Fernando Pessoa, dedico a vc, Carla. Espero que vc encontre com quem dividir seus pecados, porque eu, irrespondivelmente pecadora e vil, não consigo achar par nesse mundo que me confesse sequer uma covardia, um ato humano, por mais singelo e insignificante que seja... à minha volta, só deuses, primores, príncipes e perfeições. Eis-me aqui, humana e falha... e sozinha nisso tudo. Bjs

Carolina Sá disse...

POEMA EM LINHA RETA
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

NUNCA CONHECI quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado
sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida ...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideus!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.